'A religião está no cérebro', garante especialista

Ima Sanchés

"Tenho 69 anos. Nasci e vivo em Barcelona. Sou padre e catedrático em Antropologia na UAB. Defendo uma sociedade baseada nos valores da Revolução Francesa. Religiosamente, inspiro-me nos Evangelhos, ainda que muitas das estruturas eclesiásticas me incomodem. Escrevi Dios, Creences i Neurones". Confira a entrevista com o especialista em neurorreligião Ramón M. Nogués.

Qual é a pergunta que orienta seu trabalho?

Por que a espécie humana deu tanta importância à experiência religiosa, e como podemos conectar essa experiência àquilo que hoje sabemos sobre o cérebro.

Deus está no cérebro?

Não Deus, mas a religião está. Os lobos frontais se ativam por ocasião de experiências religiosas muito significativas.

É fato que a meditação altera nossas ondas cerebrais?

Sim. Existem muitos estudos a respeito que demonstram, quando o cérebro é examinado por ressonância magnética ou encefalograma, que as pessoas que estão fazendo meditação sofrem modificações benéficas em sua experiência orgânica.

Benéficas de que forma?

O nível de saúde melhora em termos gerais; a hipertensão arterial cai, a secreção das glândulas supra-renais relacionadas ao estresse se reduz, as funções mentais são regularizadas, a concentração se torna mais fácil.

O que mais a ciência sabe?

Existe uma área no lobo temporal, relacionada a formas focais de epilepsia, que se ativa em caso de experiências místicas intensas. Newberg e D'Aquili, autores de um livro sobre a permanência de Deus em nossa cultura, estudaram pessoas como Santa Teresa, São Paulo, Dostoiévski, Van Gogh. As conclusões a que chegaram são de que os místicos e gênios compartilham de experiências que poderiam ser relacionadas a essas formas focais de epilepsia. Portanto, o misticismo e a patologia estão na mesma área, como você pode ver.

E qual e a opinião dos neurobiólogos?

Os que estudam fenômenos religiosos de um ponto de vista darwinista dizem que a experiência religiosa, tão fundamental para a vida humana, exerceu influência positiva sobre nossa evolução, porque, não fosse assim, teria sido eliminada.

Os geneticistas têm algo a dizer sobre isso?

Alguns estudiosos acreditam que pode haver um condicionante genético que facilite a experiência religiosa.

Isso significaria que a espiritualidade não é apenas cultural?

Exato. Hamer, autor de O Gene de Deus, descobriu que existia um gene que facilitava a presença abundante de um neurotransmissor relacionado a situações de tranqüilidade e paz, as quais facilitariam níveis de espiritualidade.

Há cientistas que investigam o poder da oração para a cura.

Sou cético quanto a isso. De acordo com o mais recente meta-estudo norte-americano sobre o tema, não existe influência detectável, mas eles recomendam que as pesquisas continuem. Mesmo assim, as pessoas que acreditam vivem mais e são mais felizes. Esse seria o aspecto subjetivo da experiência religiosa.

Outro tema apaixonante são as conversões.

É um grande tema histórico. A conversão de São Paulo é espetacular.

E há as de Graham Greene, Chesterton, T. S. Eliot, Oscar Wilde, Benson, Lewis...

Muitas dessas conversões surgiram em períodos de crise pessoal grave. E os psicólogos acreditam que sejam uma resposta a uma longa semeadura inconsciente que de repente aflora.

O senhor acredita que haja pessoas que falam com Deus?

Creio que as pessoas acreditem falar com Deus, e que é preciso ter em conta que nem toda experiência religiosa é boa.

O senhor soa bastante desmistificador.

Muito crente mas pouco crédulo.

Em que o senhor acredita?

Acredito em um universo que é um tudo, e a maior profundidade dessa realidade toda se chama Deus, para mim. Mas é preciso vigiar o desenvolvimento dessa idéia na prática religiosa, porque à medida que nos afastamos desse conceito podemos nos tornar vítimas de fantasias, perversões e interesses humanos.

Qual é sua opinião sobre o Espírito Santo?

É uma das imagens de Deus usada na tradição cristão, e indica que todos estamos animados por aquilo que os hebreus denominam "o sopro de Deus", e serve como uma metáfora da força de Deus em nós quando nele confiamos.

Deus interfere na vida humana?

Creio que as idéias religiosas sejam construções culturais, e que a idéia de que Deus interfira em nossas vidas é arcaica, e no passado permitia explicar muitas coisas que não tinham explicação. À medida que a cultura evolui, deixamos de precisar dessas explicações.

Os Evangelhos afirmam, textualmente, "pedi e recebereis".

Creio que seja preciso tratar com ceticismo a essa leitura do Evangelho, hoje, porque pode nos levar a conseqüências muito negativas sobre a idéia de Deus.

Por exemplo?

Duas mães oram a Deus que seus filhos doentes se curem, mas um morre e outro se cura: surge o perigo de dizermos que Deus é arbitrário. Antes, esse tipo de reflexão não era realizado, mas hoje ele acontece e é preciso corrigir as interpretações de forma a torná-las compatíveis com uma idéia digna do mistério de Deus, e isso exige novas leituras, até mesmo de coisas declaradas explicitamente nos Evangelhos.

Não vejo a Igreja trabalhando a fundo nisso.

Esse é um problema. O Novo Testamento dispõe que Deus enviou seu filho para a morte a fim de expiar os pecados; isso é uma selvageria, pertencente a uma cultura antiga. Da mesma forma, imaginar um Deus com inferno ao lado, uma câmara de tortura eterna, é um insulto a Deus.

Interessante perspectiva.

Há que reinterpretar o significado do inferno e do sacrifício naquela linguagem e cultura arcaicas. Por sorte, as novas gerações não mais associam a idéia de Deus à idéia de medo.

Tradução: Paulo Eduardo Migliacci ME


Fonte: site do terra.




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3 comentários:

Anônimo disse...

Realmente para a religião é preciso muito mais inteligência do que os animais, mas não muita inteligência também!

Leandro disse...

A famosa experiência de Skinner teria mostrado que outros animais podem ter comportamento supersticioso; mas religioso, ao que parece, apenas nós. Parece então que é preciso ter bastante inteligência para ter religião. Outros seres vivos não entendem o que nossos templos e rituais sagrados significam para nós e também não têm um grande poder de advinhação para descobrirem o que um deus, não apenas invisível mas também indetectável e improvável, quer de nós.

Agora, o quanto de inteligência seria mínima para se ter religião?

Bem ... não sei. Mas penso que qualquer tipo de ser que adquira mais inteligência (por evolução, mutação) passará por uma religiosidade também.

Penso que deve começar

1 - com o desejo que de os parentes e amigos que já morreram estejam vivos.

2 - Depois você enterra-os, no fundo como se preocupasse com o que eles pudessem estar vendo.

3 - Passa a achar que pode conversar com eles.

4 - Elege um regente, deus, para tudo ...

Está pronta a religião.

(só especulando)

Abraços.

Giu disse...

Lembrem-se de que assim como a religião está no cérebro, o conhecimento também está,alias,tudo o que nós conhecemos hoje deriva da nossa capacidade de observar e formular pensamentos baseados em diferentes pontos de vista para as mais variadas coisas.Quando nós não conseguimos explicar algo usando o conhecimento, lhe atribuimos á algo alem de nosso alcançe,algo divino e/ou sobrenatural.