Astrologia na UnB?

As partes grifadas assim foram grifadas por mim. Embora o texto não seja novo, vale a pena ler (ou ler de novo).




Desígnios celestes

por Hélio Schwartsman



Este é um momento triste para a universidade brasileira. É que, de amanhã até domingo, a Universidade de Brasília (UnB), uma das principais instituições do país, promove, através de seu Núcleo de Estudos de Fenômenos Paranormais (Nefp), o I Encontro Nacional de Astrologia do Brasil [O Nefp parece ainda funcionar! veja por exmplo na hp deles clicando aqui.]. Ao contrário do que se poderia esperar de um evento patrocinado por pessoas comprometidos com o ceticismo que deve caracterizar a investigação científica, a programação do encontro não traz nada que sugira uma abordagem crítica. Os títulos de algumas das palestras são eloqüentes: "Por que a Astrologia não é uma Pseudociência?", "Possíveis Relações entre a Homeopatia e a Astrologia", "Casamentos e Parcerias no Mapa Natal", "Acidentes Aéreos - Aplicação de Técnicas de Astrocartografia".

Sei que será inútil --os astrólogos e simpatizantes vão me xingar de qualquer jeito--, mas mesmo assim acho importante destacar que eu nada tenho contra a astrologia. Coloco-a no mesmo patamar da religião, das drogas, do sexo e da literatura: diversão legítima para os apreciadores. Só que não dá para chamar de ciência --e ainda por cima de "hard science"-- aquilo que não o é. Nesse contexto, parece-me complicado que uma das principais universidades públicas brasileiras empreste sua marca e chancela aos que afirmam ser possível ler na posição relativa dos astros o futuro de seres humanos. A única coisa que o movimento aparente dos planetas diz sobre o futuro é onde esses planetas estarão amanhã ou daqui a 2.776 anos --isso se até lá não ocorrer nenhuma catástrofe cósmica.

Não estou, com minhas reprimendas à UnB, me insurgindo contra o princípio da liberdade acadêmica, que reputo fundamental para a pesquisa científica. Mas mesmo este precisa ser utilizado com algum bom senso, ou entramos no reino do vale-tudo. Se o Nefp pode pretender investigar a astrologia e discos voadores, amanhã alguém poderá propor --e conseguir-- que a UnB financie uma expedição científica ao pólo Norte em busca de Papai Noel. Em termos rigorosos ninguém até hoje demonstrou que o bom velhinho não existe.

E, já que entramos no terreno da lógica, é justamente
devido a uma armadilha lógica que a "cientificidade" da astrologia prospera. É simplesmente impossível demonstrar cabalmente a inexistência do que quer que seja. Se eu encontrar um anjo, posso levá-lo a uma convenção de cientistas e provar que ele é real. Mas o fato de eu nem ninguém jamais termos topado com um representante desse gênero de seres alados não basta para provar que eles não estão por aí. É claro que o acúmulo de vários milênios de história sem registros confiáveis da presença física de anjos é altamente sugestivo de que tais entidades não existam. Só que "altamente sugestivo" não é sinônimo de "com certeza". É o que basta para as pseudociências. Ciências de verdade estão formalmente incapacitadas de produzir provas insofismáveis de muitas das picaretagens que circulam por aí.

Embora nem eu nem ninguém possamos descartar a existência de uma energia sutil oriunda dos astros que seja capaz de influenciar o psiquismo e o destino dos seres humanos, é preciso ter perdido todo o espírito crítico para aceitar os pressupostos da astrologia.

Em primeiro lugar, cabe perguntar o que há de tão especial assim no instante do nascimento. É perfeitamente aceitável que, cinco milênios atrás, os sumérios que fundaram a astrologia ocidental atribuíssem um peso mágico a esse momento. Hoje, porém, conhecemos um bocadinho mais de embriologia e podemos afirmar sem medo de erro que bebês têm intensa vida intra-uterina. Sabemos que, a partir da 29ª semana de gestação, o feto já enxerga luzes, ouve, brinca, chora, dorme e até sonha --não sabemos com quê, mas essa é outra história. Se a astrologia está correta, devemos acreditar que nada disso importa para a conformação da personalidade daquele indivíduo, que, afinal, só será definida no instante do nascimento, quando a criança estiver ao alcance dos eflúvios celestes.

Aliás, qual é, no processo de nascer, o momento astrologicamente relevante? É quando o bebê atravessa o canal vaginal? Se sim, qual parte do bebê? A cabeça, as pernas? E se o parto for cesáreo? E se o relógio do médico que marca a hora do nascimento estiver errado? Talvez o que valha seja, como para a lei, a primeira respirada espontânea da criança. E o que ocorre no caso de partos prematuros, em que o bebê, incapaz de respirar por conta própria, precisa ser colocado num ventilador? Será que seu signo só se fixa na hora em que deixa a máquina?

Dúvidas também recaem sobre os planetas. Como ficarão os mapas astrais se a União Astronômica Internacional cassar os direitos de Plutão, rebaixando-o a planetóide? Na outra hipótese, se o estatuto planetário do astro gelado for mantido, é possível que algumas dezenas de corpos celestes de tamanho comparável que orbitam o Sol sejam promovidos a planetas. Nesse caso todos os mapas astrais jamais produzidos precisariam ser refeitos? Aliás, por que ninguém considera nos cálculos astrológicos os satélites dos grandes planetas gasosos, que estão mais perto e podem ser bem maiores do que Plutão? E por que nos limitar aos astros desse sistema? Por que não considerar também outras estrelas, galáxias, aglomerados, pulsares e buracos negros?

Para que não me acusem de utilizar de argumentos meramente especulativos, devo dizer que possuo também indícios empíricos contra a astrologia. Falo de meus filhos gêmeos David e Ian, agora com três anos e meio. Eles nasceram no mesmo dia e praticamente na mesma hora, sendo possuidores de mapas astrais idênticos. A questão é que eles dificilmente poderiam ter personalidades mais distintas. Ouso até arriscar uma explicação: o fato de serem gêmeos --e dividirem o horóscopo-- atua como uma força diferenciadora, pois, ao competirem por espaços, cada um deles procura esmerar-se nas atividades em que o outro se sai pior. Daí que um certamente será advogado e o outro, médico --e isso não está escrito nas estrelas, mas nos interstícios das mais comezinhas rivalidades familiares deste nosso mundo sublunar.

Deveria agora entrar mais a fundo na discussão sobre o estatuto epistemológico da astrologia, mas dispenso-me de fazê-lo por já ter perpetrado uma coluna ("Escrito sob as estrelas") a respeito, quando comentei, em 2002, uma infeliz proposta legislativa do ex-senador Artur da Távola (PSDB-RJ) para regulamentar a profissão de astrólogo. Nada na natureza das ciências ou da astrologia mudou desde então.

Perceba o leitor que essas minhas críticas ao caráter supostamente científico da astrologia não pretendem reduzir-lhe o valor como fenômeno cultural. A literatura tampouco é científica e isso em nada lhe diminui a importância. A astrologia já pode orgulhar-se de exibir uma história riquíssima. Entre outros feitos, ela deu origem à astrofísica que é, esta sim, ciência das boas. (Como contraponto, vale observar que a alquimia também foi fundamental para o desenvolvimento da química moderna, mas nem por isso vemos gente insistindo na viabilidade da pedra filosofal, capaz de transformar chumbo em ouro).

As pessoas têm o direito de acreditar no que bem entenderem, inclusive o de achar que é a configuração dos céus no instante do nascimento que condena o pobre infeliz a ser ele mesmo. Mas, se desejamos que a linguagem técnica conserve alguma utilidade, conceitos como ciência precisam ser reservados para atividades que observem o método científico. Não é o caso da astrologia. E é terrivelmente perturbador que uma universidade pública do gabarito da UnB empreste seu nome a mistificações, sejam elas celestes ou terrestres.

PS - Depois que terminei de escrever esta coluna, fui informado de que um novo projeto de lei para regulamentar a profissão de astrólogo, este do deputado Luiz Sérgio (PT-RJ), foi aprovado pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara. Enquanto a República atasca-se num lodaçal, parlamentares dedicam-se a legislar sobre quem pode ou não interpretar os desejos dos céus. Pensando bem, faz sentido...

Hélio Schwartsman, 41, é editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.

Texto retirado daqui: Folha de S. Paulo e foto daqui.





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3 comentários:

Anônimo disse...

E o que falar do NIETE da UFRGS?
e o grupo de estudos sobre o uso de cristais na UFRJ?....

Anônimo disse...

Grupo de cristais? Sobre o que estudam? "energizaçao" por meio dessas pedras transparentes? Que tipo de energia? como ela se transfere? pelo simples contato? contato visual?

"NIETE"... o filosofo alemao?

Leandro disse...

"Grupo de cristais? Sobre o que estudam? "energizaçao" por meio dessas pedras transparentes? Que tipo de energia? como ela se transfere? pelo simples contato? contato visual? "

Eles usam algo sem respaldo experimental. Algo que as evidências contradizem. Ou seja ...

Provável que seja relacionado a Emoto. Se quiser ler algo sobre
Masaru Emoto, clique aqui

Sobre o NIETE, é um grupo lá da UFRGS que usam dinheiro público para fazer pesquisas que a comunidade científica considera falso (já que experimentalmente, não funcionam, não são verificados, são contraditos, e assim por diante...)

O problema é que eles sempre tentam dizer que seus trabalhos são científicos e tentam usar dinheiro público para financiar isto.

Imagine a quantidade infinita de alegações não-testáveis que poderiam dragar o dinheiro público ? Dinheiro este que já é escasso para pesquisas sérias