Shapiro X (Dennet e Dawkins X Behe)

Segue um texto interessante que achei na internet sobre Evolução X Criação


Diálogo de surdos, artigo de Julio Cesar Pieczarka

Outro erro é apresentar o debate Criação X Evolução como algo científico. Trata-se na verdade de um debate político, como já afirmado em outras ocasiões aqui mesmo no “JC e-mail’. Por isso seu caráter de “diálogo de surdos”

Julio Cesar Pieczarka é professor adjunto do Depto. de Genética da Universidade Federal do Pará. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”:

Na edição número 2868 de 04/10 do JC e-mail, o Sr. Enézio apresenta como evidência contra o Darwinismo um texto publicado pelo Dr. James Shapiro no Boston Review, intitulado “A Terceira Via”.

Em essência Shapiro considera o debate Criacionismo X Darwinismo como estéril, após ler as resenhas dos livros de Dennet e Dawkins (neodarwinistas) e Behe (criacionista).

Ele afirma que tanto a teoria evolucionista neodarwinista quanto o criacionismo estão errados.

Ele lembra que a ciência sempre avança, que a biologia (eu diria mais a genética) está sofrendo uma revolução equivalente àquela que a fisica que passou de sua forma clássica para a relatividade e a teoria dos quanta.

Existiria então uma opção (“a terceira via”) fornecida pelos avanços recentes da genética molecular, quando ele passa a listar evidências de que o Neodarwinismo está superado. Boa parte do que ele diz é real, mas está fora de contexto.

Temos aqui diversos tópicos misturados e nem todos partem de premissas corretas. Vou tentar desembrulhar parte do assunto para tornar sua compreensão mais razoável.

1) A Teoria Evolutiva atual é a Neodarwinista?

Se você ler o texto de Shapiro pensará que sim. No entanto, como ele diz, a ciência avança. A teoria Neodarwinista foi formulada em 1947 para unir os conhecimentos daquela época. Historicamente ela foi um grande avanço.

Mas seria demais esperar que uma teoria, do tempo em que nem se sabia que o DNA é o material genético, permanecesse intocada.

Desde os anos 60 ela vem sido questionada em diversos aspectos. Surgiu o Neutralismo (totalmente confirmado pela genética atual) mostrando que nem todos os segmentos de DNA estão sujeitos à seleção natural, contrariando o panselecionismo neodarwinista; a teoria do Equilíbrio Pontuado e a Evolução Saltatória, contrariando o gradualismo do neodarwinismo; a Sociobiologia (e atualmente a Psicologia Evolutiva) para tentar incluir as teorias do comportamento.

O tempo tratou de mostrar que estas novas escolas ampliaram os limites autoimpostos do neodarwinismo e atualizaram sua concepção. A ciência avança e a teoria evolutiva não é diferente.

A maioria dos evolucionistas não é neodarwinista de carteirinha, embora existam alguns bem barulhentos (Dawkins é um exemplo). Dizer que a atual teoria evolutiva é neodarwinista é ignorar tudo o que foi feito depois de 1947.

É amputar toda a concepção moderna de evolução. Ou seja, qualquer premissa que tente avaliar a teoria evolutiva sem incluir seus progressos esta fadada ao fracasso por ser irreal.

2) O debate Criação X Evolução ser restringe aos neodarwinistas do lado dos cientistas?

Este é outro erro. Assim parecerá que temos dois grupos de dogmáticos batendo pé enquanto a ciência moderna nos mostra que isso tudo é antigo. Pode ser uma premissa útil para Shapiro apresentar suas idéias, mas certamente não é verdade.

Na realidade o debate Criação X Evolução é bem mais amplo que o envolvimento dos neodarwinistas. Ele engloba toda a teoria evolutiva. Assim, não é possível seguir uma “terceira via” como quer Shapiro, no máximo uma rota alternativa na segunda via (e no momento talvez nem isso, como veremos).

O debate Criação X Evolução atinge também a física, a astronomia, a geologia. Todos estes campos de conhecimento são questionados pelo criacionismo.

Os evolucionistas são os que estão reagindo mais visivelmente ao avanço criacionista, mas na verdade este assunto precisa envolver toda a comunidade científica.

Afinal, como um físico poderá confiar no resultado de um experimento se ele pode partir da premissa que naquele dia Deus mudou os parâmetros e isso explica o resultado diferente?

Outro erro é apresentar o debate Criação X Evolução como algo científico. Trata-se na verdade de um debate político, como já afirmado em outras ocasiões aqui mesmo no “JC e-mail’. Por isso seu caráter de “diálogo de surdos”.

3) Os avanços da genética moderna contradizem o neodarwinismo?

Em parte. Shapiro cita a teoria de 1947 e a apresenta como desatualizada no século XXI. Isto equivale a questionar Copérnico com base na astronomia moderna. No meu entender seria mais correto tentar entender os avanços no contexto atual. Vou tentar apresentar os tópicos que ele lista e mostrar se eles se ajustam à teoria evolucionista de nossos dias. São quatro tópicos:

3.1) Organização do Genoma

Shapiro lembra que na década de 40 se acreditava que os genes eram como “contas em um colar”, cada um sendo uma unidade responsável pela produção de uma proteína (lembro de um de meus professores que chamava este modelo de “gene bolinha”).

Atualmente os genomas se mostram compostos de segmentos de DNA, muitos dos quais têm função regulatória, havendo uma imensa rede de interconexões, muito longe do conceito “um gene, uma enzima”.

Ele afirma que não haveria tempo o bastante na história para toda esta rede se organizar no esquema “um gene muda de cada vez” proposto pelo neodarwinismo.

Na verdade desde a década de 60 sabe-se que os “genes bolinha” não existem, quando foi criado o termo “cistron” para designar aquilo que se chamava “gene função”, um segmento de DNA responsável pela expressão de um fenótipo, normalmente através de uma proteína.

Sabe-se também que não existe a evolução de apenas um gene de cada vez, uma vez que a seleção atua sobre o fenótipo, não sobre o genótipo. A genética molecular mostra claramente que os segmentos de DNA que não geram expressão fenotípica estão livres da pressão da seleção e apresentam um grau de variação imensamente maior, pois a seleção não atua sobre eles.

Qualquer seqüência que eles apresentem tem igual valor. Esta é a base da teoria neutralista, de Kimura. Assim, grupos de genes (e suas interconexões) podem evoluir em conjunto (co-evolução) pois é o seu fenótipo final que é selecionado e não cada gene individualmente.

Além disso a seleção não age ao acaso. Um exemplo interessante é apresentado pelo próprio Dawkins em seu livro “O relojoeiro cego”. Suponha que eu deseje que um computador monte aleatoriamente a frase “Methinks it is like a weasel”, retirada do Hamlet, de Shakespeare.

O alfabeto inglês tem 26 letras, mas haveria 27 alternativas, contando o “espaço” como uma letra. A probabilidade do computador acertar a primeira letra (M) ao acaso seria de 1/27.

A probabilidade de acertar a segunda (e) seria também 1/27. A probabilidade dele acertar as duas primeiras letras simultaneamente seria de 1/27 X 1/27.

A chance de acertar a frase inteira seria de 1/27 elevado à vigésima oitava potência, pois a frase tem 28 caracteres (letras e espaços).

A probabilidade seria muito pequena: uma em 10 mil milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões. Para montar a frase um computador gastaria 1 milhão de milhões de milhões de milhões de milhões de anos. Isso é mais que 1 milhão de milhões de milhões de vezes o tempo de existência do universo.

Portanto, seria muito difícil da evolução acontecer com alterações de um gene de cada vez, começando sempre do zero. Mas suponha que o computador realizasse a primeira rodada.

Ele encontraria diversas frases diferentes. Suponha que ele escolha a frase que mais se parece com “Methinks it is like a weasel”. Se esta frase tiver duas letras certas nas posições certas, na próxima rodada esta frase será o molde de onde o processo recomeça.

Note que neste caso as letras certas estão fixadas e não entram na loteria. Na próxima rodada será escolhida a frase mais próxima e assim por diante. Dawkins rodou no computador um programa para fazer esta seleção.

O computador levou apenas 41 rodadas (“gerações”) para montar a frase completa. Assim, a seleção cumulativa é um poderoso mecanismo que pode acumular uma quantidade enorme de organização em pouco tempo.

3.2) Capacidade Celular de Reparo

Shapiro questiona como é possível supor que mutações ocorram se existem sofisticados sistemas de reparo para proteger a célula. Na verdade este questionamento já tinha surgido quando os mecanismos de reparo foram descobertos algumas décadas atrás.

Um mecanismo simples de seleção natural explica isso. A molécula de DNA é a responsável pelo arquivamento da informação genética.

Para realizar tal tarefa ela precisa de estabilidade suficiente para transmitir suas informações à próxima geração. Ao mesmo tempo ela não pode ser totalmente imutável, pois neste caso a evolução não teria ocorrido.

As primeiras moléculas de ácido nucléico que surgiram certamente não dispunham de sistemas de reparo. Assim, bombardeadas constantemente pelo meio ambiente, sofriam taxas muito mais altas de mutação que aquelas observadas hoje em dia.

A primeira molécula que dispôs de um sistema de proteção, ainda que precário aos olhos de hoje, teria uma probabilidade maior de transmissão desta característica, pois teria mais tempo de passar adiante antes de se alterar. Portanto, a situação de equilíbrio (sistemas de reparo, mas não totalmente eficientes) seria o esperado.

De fato, por mais sofisticados que sejam os sistemas de reparo, eles não impedem as mutações de ocorrerem (ainda que em taxas baixas) já que elas são observadas constantemente em todos os organismos estudados.

3.3) Elementos Genéticos Móveis e Engenharia Genética Natural

Neste item Shapiro chama a atenção para o fato de que o genoma não é fixo, como se supunha na década de 40, mas “fluido” (ou talvez uma tradução melhor seria “plástico”) no sentido em que ele pode sofrer grandes rearranjos internos, tanto através de mecanismos de controle intracelular quanto através de transposons, segmentos de DNA que estão constantemente mudando de lugar e, portanto, alterando a expressão gênica.

Sabe-se ainda que os transposons podem aumentar a quantidade de quebras cromossômicas. Temos neste item dois tipos de fenômeno que foram misturados:

a) Alterações somáticas: Todos os casos descritos por Shapiro onde existe uma engenharia pré-determinando as mudanças que ocorrerão são casos de alterações que ocorrem em células somáticas, isto é, as alterações só se efetuarão naquelas células, mas não serão passadas adiante.

Um bom exemplo é o do sistema imunológico, onde um segmento do DNA se altera para originar anticorpos. É uma alteração de caráter fisiológico. Para a evolução só contam as alterações que ocorrem a nível germinativo, pois são as que são passadas para a próxima geração.

b) Alterações germinativas: Em todos os exemplos conhecidos, as alterações que ocorrem nos gametas não são direcionadas, isto é, são aleatórias. O caso dos transposons é um bom exemplo.

Em seu trabalho clássico McClintock demonstrou que os transposons são ativados em situações de stress ambiental, aumentando consideravelmente o grau de variabilidade genética, pois os transposons agem como se fossem mutagênicos.

Assim, quando o organismo se encontra em uma situação de perigo, suas próximas gerações serão mais variáveis, aumentando a chance de se encontrar formas que possam ser vantajosas no novo ambiente. Note, porém, que neste caso não temos um direcionamento fisiológico.

As alterações continuam a ser aleatórias, apenas aumentando sua frequência. É um caso totalmente diferente do item “a”. Aqui também não temos nenhuma novidade.

Com mencionei anteriormente, a teoria da evolução saltatória, que ressurgiu nos anos 60, previa a possibilidade de ocorrerem períodos de intensa alteração genética, quebrando a obrigatoriedade do gradualismo neodarwinista.

3.4) Processamento da Informação Celular

Neste item Shapiro dá exemplos dos processos de controle celular interno, mostrando a notável profusão de informações circulando em forma de moléculas. Todas as atividades intracelulares são mediadas pela presença e/ou concentração de sinalizadores moleculares.

A partir desta observação ele compara a atividade da célula com aquela de um equipamento de informática e especula que seria necessária uma extraordinária capacidade de processar toda esta informação (inteligência?).

Na verdade esta questão da capacidade de processamento ser um indício de uma inteligência é apenas especulação.

O próprio exemplo usado pelo autor, um computador, nos mostra que, embora o computador pareça inteligente e seja capaz de tomar decisões em situações específicas, na realidade a máquina não é dotada de inteligência ou consciência.

Os programas de computador nada mais são que milhões de rotinas que se acumulam. Se for analisado passo a passo, os programas de computação são compostos de estruturas bastante simples. É o conjunto de atividades que dá a ilusão de capacidade de pensar e deduzir.

4) Conclusões

Ao longo do século XX a teoria evolutiva continuou se atualizando em função da imensa quantidade de dados e mesmo de campos novos de conhecimento que surgiram.

O neodarwinismo conseguiu o feito extraordinário de unir a genética e a evolução, explicando e sintetizando a ciência da época.

Novos dados surgiram, principlamente após os anos 60, dando margem a teorias que a principio se rivalizaram com alguns dos principios neodarwinistas.

Na maioria dos casos o tempo tratou de mostrar que estes novos campos alargavam autolimitações do neodarwinismo, abrindo novas perspectivas. As evidências apontadas por Shapiro são extremamente interessantes por mostrarem um panorama da atual biologia molecular.

Naturalmente estes dados se contrapõem a alguns princípios neodarwinistas, mas cabe notar que esta contraposição já se observa desde a década de 60.

Assim, em relação à teoria evolutiva moderna, não há contradições. É possível que no futuro novas evidências venham derrubar totalmente o darwinismo. Trata-se porém de um pressuposto teórico, ao qual está sujeita toda ciência. Até o momento estas evidências não apareceram.

5) A Biologia do Século 21: a teoria do Design Inteligente como referencial teórico?

A análise acima mostra que a teoria evolutiva continua avançando. As colocações de Shapiro são explicáveis na teoria evolutiva atual. E quanto ao Design Inteligente?

Em diversas ocasiões neste mesmo JC e-mail várias pessoas apontaram diversas evidências mostrando porque o DI não é ciência, evidências tanto científicas como históricas (origens do movimento DI).

Mesmo que a teoria evolutiva no seu avançar mude tanto que perca a conexão com sua origem (e volto a destacar ser esta uma suposição teórica) dificilmente ela será absorvida por uma não-ciência. Será possível que a astronomia evolua a tal ponto que se transforme em astrologia?

Retirado do Jornal da Ciência.





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